Apesar de recorde, falta de acordos ainda trava exportação de veículos
Montadoras continuam dependendo muito da Argentina, destino de 67% das vendas ao exterior no 1º trimestre, que teve volume histórico. Analistas apontam quais são os demais desafios.
Há 56 anos o Brasil exportava seus primeiros veículos. Agora, além de uma oportunidade, falar outras línguas se tornou uma questão de sobrevivência da indústria automotiva nacional, que está com cerca de 50% da capacidade ociosa. Mas a pouca quantidade de acordos comerciais entre os países e a baixa competitividade continuam sendo entraves.
Embora os veículos nacionais tenham como destino quase 30 países (veja mapa), a grande maioria “aprende” apenas uma língua, o espanhol, mais especificamente o falado na Argentina. O país vizinho foi destino de 67% das exportações no 1º trimestre de 2017, que teve volume recorde.
O resultado histórico nas vendas ao exterior aconteceu muito graças à recuperação do mercado argentino, com alta de 15,4% em relação aos primeiros 3 meses do ano passado. Isso porque o comércio entre os dois países ainda não é livre: o acordo atual impõe relação de valor.
“Para exportar, você precisa de acordo de livre comércio. A gente não conseguiu evoluir muito nisso. Continuamos exportando para um lugar só”, apontou Paulo Cardamone, diretor da Bright Consulting.
Só os tratados com Peru e Uruguai são de livre comércio. Os demais têm algum tipo de restrição, como cotas, casos de Colômbia e México –este país norte-americano, viveu um “boom” de fábricas de carros depois de fechar mais de 40 acordos de exportação.
Em busca de velhos amigos
Para analistas ouvidos pelo G1, as montadoras e o governo federal estão se esforçando para expandir os parceiros e retomar “amizades” esquecidas durante a década do “boom” de vendas de veículos no Brasil, encerrada em 2012.
“No passado, exportamos muito para o Oriente Médio. Agora temos a possibilidade também de fechar acordos com a África. À medida que a o produto brasileiro vai se aperfeiçoando, por que não pensar em voos mais altos?”, questiona Ricardo Bacellar, diretor da consultoria KPMG para o setor automotivo.
Para as fabricantes, é uma iniciativa que não vai acabar quando a crise passar.
“As empresas colocaram suas equipes para viajar e oferecer os produtos. Mesmo que o mercado interno volte a crescer, o aumento das exportações se manterá, porque temos capacidade ociosa muito grande”, disse Antonio Megale, presidente da Anfavea.
Exportação alcança ‘pico’
Em março último, o mercado interno do Brasil deu mais um sinal de recuperação. As vendas de veículos no Brasil tiveram a 1ª alta anual em 2 anos. O resultado acumulado no trimestre, porém, só foi melhor que o verificado em 2006.
Já a produção apresentou alta de 24% de janeiro a março, frente ao mesmo período do ano passado. O avanço foi impulsionado pelas exportações, destino de 172,6 mil carros, comerciais leves (picapes e furgões), caminhões e ônibus fabricados nos primeiros 3 meses do ano.
Foi o melhor trimestre de vendas externas da história, superando as 157 mil unidades de 2006, mesmo com muitos obstáculos pela frente.
O volume exportado corresponde a 28% de toda a produção nacional no período. Para o economista João Morais, da consultoria Tendências, as vendas externas não chegarão a responder por muito mais do que isso.
“A participação das exportações no total (da produção) deve ter o pico agora; em 2020, deve ser de 20,5%”, estimou Morais.
Analistas apontam desafios
- Poucos acordos comerciais com outros países
- Falta competitividade para a indústria brasileira
- Alto custo de produção
- Instabilidade e falta de política industrial
De acordo com Bacellar, a recente ampliação do parque industrial automotivo tinha como premissa transformar o Brasil em um polo exportador, como ocorreu com o México, mas não se avançou muito nisso até que a crise obrigou as montadoras a reforçarem os números de produção com exportações.
O executivo da KPMG vê oportunidades no México e no Chile depois que o atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, decidiu retirar os EUA de acordo com países do Pacífico.
“Isso, para falar só de países da América Latina, abre uma oportunidade para o Brasil se posicionar neste vácuo deixado pelos EUA”, disse.
O Mercosul também negocia, desde 2000, um acordo de livre comércio com a União Europeia, mas, para competir na Europa, os carros brasileiros precisam evoluir mais.
Segundo um estudo recente da consultoria J.D. Power, os maiores problemas dos veículos produzidos no país se concentram na manufatura, como falhas de pintura, desalinhamento e distâncias muito grandes (“gaps”, em inglês) entre as peças.
“Leva tempo, mas, se você olhar a evolução do carro, a incorporação da tecnologia necessária não está ligada mais a ‘hardware’, mas a sensores, a assistência computacional. Isto demanda menos tempo do que há 10 anos levamos para incorporar tecnologias como freio ABS e suspensão ativa”, afirmou Cardamone, da Bright Consulting.
As últimas fábricas inauguradas (Fiat Chrysler, BMW, Audi e Mercedes) devem facilitar a entrada em novos mercados e dar sustentabilidade às exportações, por causa da grande capacidade tecnológica – a BMW, por exemplo, é a única a exportar carros brasileiros para os EUA atualmente. Mas o setor de autopeças precisa acompanhar os avanços.
Nova política industrial
Criado em 2012, o programa Inovar-Auto foi uma tentativa de criar uma política industrial para o setor, mas recebeu muitas críticas e vale apenas até o final de 2017.
“Tentou-se criar regras para buscar maior produção local, independentemente de ter competitividade ou não. Foi um erro solicitar conteúdo local para justificar uma política, que foi até condenada pela OMC (Organização Mundial do Comércio)”, disse o diretor da Bright Consulting.
“É preciso ter uma política que entenda aquilo que o Brasil pode fazer. A gente não tem competência em algumas áreas e não vai ter. Tem que entender que é preciso importar pelo menos até certo ponto”, completou Cardamone.
A sequência do Inovar-Auto está em discussão e deve ser anunciada pelo governo federal nos próximos meses. Segundo Cardamone, a competitividade deve ser o foco do novo ciclo, para atender a um novo consumidor, que exige conectividade e tecnologia.
“O Brasil conversando para abrir novos mercados, entrar no vácuo dos EUA, a reforma trabalhista… todas estas pontas vão ser amarradas no final deste ano, começo de 2018, quando tivermos uma nova política. Nesta virada, vamos ter uma visibilidade consistente de onde podemos chegar, mas, por ora, não podemos deixar de comemorar a mobilização no sentido de concorrer”, avaliou Bacellar.
“Só espero que a gente tenha aprendido que a exportação tem que ter seu papel. Há alguns anos, o mercado estava tão forte que tudo virou pro interno. A retomada de mercados é muito mais difícil do que a conquista”, concluiu Megale, presidente da Anfavea.
Fonte: G1
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